quarta-feira, 1 de abril de 2009

Tribuna da Imprensa /Nacional
Médico denuncia banda podre do IML
06 / 09 / 2007
Marcelo Copelli

Ex-vice-diretor do Instituto Médico Legal divulga gravações sobre suposto esquema de corrupção

O médico legista do Instituto Médico Legal (IML) do Rio de Janeiro Daniel Ponte, responsável por graves denúncias de irregularidades supostamente ocorridas no instituto, reforçou suas alegações ao divulgar gravações feitas com funcionários, que foram entregues à Delegacia de Homicídios, no Centro do Rio. As acusações recaem sobre o ex-diretor Roger Ancillotti, e, segundo o perito, ainda permaneceriam ocorrendo sob a gestão atual de Hélio Feldman.
Nos trechos de conversas são reveladas as péssimas condições de trabalho, esquemas de propina e ameaças. "Roger (Ancillotti), companhia e quadrilha, que chefiavam o IML, encomendaram a minha morte", disse Ponte, que teme ser assassinado. "O aviso (...) partiu do inspetor Aristóteles Marques Batista que continua trabalhando normalmente (...) era o chefe de gabinete do Roger. Ele que mandava no IML, era a parte operacional".
Entre as várias denúncias feitas por Daniel está o esquema de propinas para liberação dos cadáveres, envolvendo até mesmo o ex-chefe da Polícia Civil e atual deputado estadual Álvaro Lins. "Os familiares têm que dar dinheiro para os funcionários, agentes funerários, etc. Inclusive, um delegado da Corregedoria (...) me explicou como era feita a divisão: R$ 20 em cada local que o cadáver passava (óbito, papiloscopia, etc), e o resto subia para Chefia de Polícia.", disse Ponte.
O legista disse que "são cerca de 40 cadáveres por dia. Por até duzentos e cinqüenta por cadáver, fora as outras fraudes, deve ser muito dinheiro. (...) Me deram uma lista para assinar, pedindo, entre outros materiais inúteis, oito mesas de necropsia. Como eu comecei a questionar muito, tiraram da minha mão e deram para outro perito assinar. Tem um processo aberto no TCU (Tribunal de Contas da União) apurando as irregularidades", informou. .
Proteção policial
No início desta semana, o perito solicitou proteção policial, uma vez que suas duas testemunhas de defesa no inquérito que corre na Corregedoria da Polícia Civil sofreram atentados. O papiloscopista Alexandre Várzea morreu mês passado em um estranho acidente de moto, e o delegado adjunto da Divisão Anti-Seqüestro, Alexandre Neto, foi baleado com cinco tiros, no domingo, em Copacabana, Zona Sul do Rio.
Várzea morreu após bater com sua moto em um ônibus da Viação Jabour que descia a serra da Grota Funda, Zona Oeste do Rio. Na ocasião, o motorista do veículo, Cláudio Romão Teixeira, disse que "a moto estava em ziguezague. Ele (Alexandre) tentou desviar, mas a moto colidiu com a frente do ônibus e pegou fogo". Segundo as investigações, o auxiliar de necropsia estava sendo perseguido.
Já Neto, além de ser também um dos responsáveis pelas denúncias de irregularidades no IML, investiga as atividades ilegais de um grupo de delegados e do ex-chefe da Polícia Civil, o deputado Álvaro Lins.
Gravações revelam compras suspeitas e submissão
Na gravação divulgada por Daniel Ponte, durante uma conversa, em abril deste ano, com o auxiliar de necrópsia Alexandre Várzea, antes de sua morte, o mesmo alertou o amigo sobre um plano para matá-lo. E, ainda comentou sobre o roubo de material após a saída da equipe de Ancillotti. " Pô, material pra caramba aí sumiu. Gente viu uma leva. (...) material, folha chamex, resmas fechadas, embaladas. O cara vai tocar a chefia de polícia por um ano. Mais de R$ 10 mil.", observou Várzea.
Daniel, por sua vez, comenta com Alexandre que começou a perceber o esquema de corrupção dentro do IML e se confessou abismado com toda a situação. "Eu não sabia. Só via os bolos de dinheiro correrem na minha frente (...) falavam que era de clínica popular (de propriedade particular de outros funcionários) e eu fingia que acreditava", disse.
Em outro trecho, Várzea cita o suposto envolvimento do deputado estadual Álvaro Lins com o esquema de corrupção no IML. "Ali eu fiquei p.. porque os caras tinham tudo para fazer uma boa gestão, não sacanear ninguém. Mas é aquele negócio. Tinha o chefe, que era o Ali Babá e os 40 ladrões, o chefe era o Álvaro Lins, e o cara queria porque queria dinheiro. Ele mandava", comenta.
Ao fim, segundo Ponte, Alexandre Várzea o orientou a tomar cuidado, pois poderia ser morto por estar mexendo com assuntos internos e que envolviam muita gente.
Condições de trabalho
Em uma outra gravação feita pelo legista, enquanto conversava ao telefone com o atual vice-diretor do IML, Hildoberto Carneiro, são discutidas as condições precárias de trabalho do instituto, sem local para higienização e longa carga horária de trabalho.
Ponte, na ocasião, diz ao vice-diretor que não está tendo condições de trabalhar, pois muitos corpos estavam tomados por larvas que se proliferavam, e relatou que um funcionário havia trabalhado o dia inteiro com pneumonia, além dele próprio, ter cumprido mais de 14h de plantão. Para piorar, Ponte afirma que no dia seguinte, pela sujeira do local, acabou amanhecendo com uma bolha na mão cheia de pus. "Aquilo ali está uma coisa inacreditável". Aparentemente o vice-diretor concorda e confirma "é não tem como, não está dando. (...) está muito ruim".
Adiante, Daniel sugere até que os corpos sejam levados para outro andar, com refrigeração, nem que fosse por um elevador externo em caráter emergencial. "A geladeira lá do terceiro andar funciona. Então é só subir com o cadáver".
Hildoberto lembra que não existem nem remédios para matar as moscas varejeiras. Daniel então informa que o inseticida era comprado pelo ele mesmo. "Por plantão eu compro quatro a cinco frascos e não dá conta (...) A gente não tem aonde lavar a mão", comenta.
Segundo Ponte, a interdição "política" da clínica médica em caráter emergencial teria sido uma "saída legal" para que fosse angariada verba para construção de um futuro necrotério, em melhores condições, mas com obras sem licitação.
Em outro trecho, Ponte comenta o "absurdo" da compra de oito mesas de necropsia, quando só existem dois peritos. "As outras seis (mesas) são para quê? Para a gente dormir? ", questiona Daniel. Hildoberto afirma ter sugerido a compra de no máximo três. "Pra que vão precisar de oito?", confirma o exagero.
Ambos, porém, deixam claro durante as gravações que o atual diretor do instituto, Helio Feldman não teria nenhum envolvimento financeiro com as irregularidades.
Valores e ameaça
Em uma última gravação divulgada por Daniel Ponte, feita durante uma conversa com um perito do IML, cuja identidade foi preservada, são esclarecidos os valores cobrados das famílias para liberação dos corpos.
Segundo o perito a família teria que pagar cerca de R$ 200 mais as despesas com a funerária. "Nós vivemos em uma época que ninguém é criança. Veja bem, era impossível que a Inteligência da Polícia Civil não soubesse disso. (...) a inteligência pode ser corrupta, mas burra não é", afirma. Daniel desabafa e diz que ia acabar falando tudo que supostamente sabe. "Eu vou acabar jogando m.. no ventilador. Já ameaçaram que vão me matar mesmo. (...) O Aristóteles vai me matar. "
Em entrevista à TRIBUNA DA IMPRENSA, Daniel afirmou que no início do ano foi ameaçado pelo inspetor Aristóteles Marques em represália pelas suas denúncias. "Vou morrer. Não tenho a mínima esperança de consertar a Polícia Civil.(...) A gente vê termas funcionando na rua, boca de ouro, pirataria. Por que só a polícia não vê ?", questiona. Mas finaliza afirmando que "dentro da Polícia Civil existem pessoas íntegras, e nem todos são bandidos".
Segundo informações da Assessoria de Comunicação Social (Ascom) da Polícia Civil, qualquer pronunciamento só será feito após determinação e conclusão da Corregedoria responsável pelo inquérito. Todas as denúncias feitas por Daniel Ponte e as gravações feitas foram anexadas.
Após tentativa de contato com o deputado Álvaro Lins, até o fim da tarde de ontem, nenhum representante de sua assessoria de imprensa foi encontrado. Já o ex-diretor do IML, Roger Ancellotti já havia divulgado que, por orientação de seus advogados prefere não comentar as acusações. O médico afirmou, entretanto, que Ponte responde a cinco sindicâncias na Corregedoria da Polícia Civil e também será alvo de uma ação cível na Justiça comum. Roger, que também é professor universitário disse que a situação está causando um grande mal-estar e que desconhece as irregularidades citadas por Ponte.
Testemunhas de atentado podem estar sofrendo coação
A dificuldade da polícia em encontrar testemunhas que apontem pistas sobre os autores do atentado ao delegado adjunto da delegacia Anti-Seqüestro, Alexandre Neto, no domingo, numa rua movimentada de Copacabana, Zona Sul do Rio, pode estar ligada à coação. Segundo a polícia, pessoas provavelmente ligadas ao mandante estão indo a lojas e bares da área perguntar quem está dando informações à polícia. Por ordem do titular da Delegacia de Homicídios, Roberto Cardoso, que investiga o caso, policiais distribuíram cartazes pedindo a colaboração dos moradores que tenham presenciado o ataque.
Ontem à tarde, Cardoso solicitou também que sejam arrecadadas fitas de possíveis câmeras de prédios da Avenida Nossa Senhora de Copacabana para tentar identificar o carro usado. Ele suspeita que essa tenha sido a rota de fuga dos criminosos.
Atingido por quatro tiros, Neto deu entrevista ontem no quarto do Hospital Quinta D' or, onde está internado. Apesar de chamar o ex-chefe de Polícia Civil e atual deputado federal Álvaro Lins (PMDB) de "inimigo", a quem já denunciou por suposto envolvimento com o jogo do bicho, ele não quis apontar culpados e não descartou nenhuma das quatro linhas de investigação da polícia.
Neto também não descarta a hipótese de ter sido alvo do sargento PM Márcio da Silva Barbosa, que tem um carro prata - mesma cor do usado no dia do crime. No ano passado, Neto se desentendeu com o sargento depois de ter estacionado seu carro em lugar irregular. "O tempo passou, mas talvez a raiva não", disse.
O PM prestou depoimento e teve seu carro apreendido. Seu Polo prata passou ontem por uma perícia. O delegado quer saber se no carro do policial há projéteis deflagrados, já que os tiros que atingiram Neto foram feitos de dentro de um carro. "Como não havia cápsulas na cena do crime, pode ser que elas tenham ficado dentro do carro do criminoso. Por isso a perícia do carro dele é importante", disse.
Outra perícia foi feita ontem, para procurar cápsulas dentro do estofado do banco do motorista e do banco traseiro do carro onde estava Neto. Esses projéteis podem ser usados para definir o calibre da arma e ser usados em confrontos balísticos com armas arrecadadas durante a investigação. A terceira hipótese investigada seria que Neto foi vítima de um crime armado pelo ex-diretor do Instituto Médico Legal, Roger Ancilotti. Neto era uma das duas testemunhas de defesa do perito Daniel Ponte, que acusa a administração de Ancilotti de corrupção.
A quarta linha de investigação se refere ao envolvimento de outro grupo de policiais militares que eram investigados pelo delegado pelo seqüestro do traficante Francisco Paulo Testas Monteiro, o Tuchinha, em fevereiro deste ano. Neto, que ainda está se recuperando da cirurgia que amputou um dos dedos de sua mão direita, disse, no entanto, que tem certeza de que o autor dos disparos seja um policial, pela forma como foi atingido. "Se eu estivesse investigando meu próprio atentado, não teria nenhum ranking de suspeitos. Investigaria todas a hipóteses", afirmou.

Fonte: http://www.cremerj.com.br/clippings/mostraClipping.php?idClipping=22188

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